Berlim 1936 – 11h36min
Quando entrei no estádio, fiquei pasmo com a quantidade de pessoas, era maravilhoso ver tanta gente, e como atleta, aquilo mexeu comigo de uma forma a qual não conseguia explicar. E mesmo que todos quisessem minha derrota naquele lugar, eu não poderia de forma nenhuma negar a sua beleza.
Vi os braços estendidos, e aquele homem entrar pela lateral. Era pequeno e particularmente feio, comparado a outros brancos que estavam ali, ao ver isso me perguntei qual o motivo para se achar superior a alguém.
Fui até a linha de saída, chequei meus tênis e alonguei. Antes do tiro de partida, as lembranças de Oakville me tomaram, e tão rápido como o disparo, viajei no tempo.
Alabama 1927
Era difícil acompanhar minha mãe, mas toda a vez que conseguíamos um médico, tínhamos de correr para não ficar por ultimo nas filas. Os negros só eram atendidos por negros, e um único médico, que vinha de Ohio uma vez a cada sete meses, respondeu a suas cartas dizendo que poderia me atender, ao passar por Oakville.
Tão logo cumpriu sua promessa, disse a minha mãe:
- Ele tem pneumonia crônica, deve evitar a fadiga, e se alimentar bem. Não será uma pessoa saudável. Sinto muito.
E assim eu pude ver os olhos de minha mãe cheios de lagrimas. Ela sabia que um negro que tivesse condições físicas ruins, não teria muita chance naquela sociedade tão preconceituosa. Acabaria como um mordomo de algum rico fazendeiro, lacaio de casa, ou jardineiro, já que não teria fôlego para trabalhar nos campos de algodão. Com o passar do tempo, comecei a me odiar. Me odiar pela minha incapacidade, pela minha vida tão ingrata, e tão logo via minha mãe saindo para trabalhar, fazia justamente o que o médico me proibia, corria até faltar o fôlego. Quem sabe assim poderia morrer e já não seria mais um fardo para ninguém.
Embora passasse mal constantemente por causa das corridas, não era o bastante para atingir meu objetivo. Comecei a acelerar e correr mais, pensando que uma hora meu corpo não aguentaria até eu conseguir morrer.Mas acontecia justamente o contrario.Comecei a respirar melhor, e ter mais fôlego.
Um dia os cavalos do senhor Stanford passaram a minha frente, e não pude conter a ideia que poderia os ultrapassar. E eu os ultrapassei. Comecei a correr profissionalmente,e de escola em escola, minha fama correu pela cidade. Isso me ajudou a entrar na universidade, e quando vi, era atleta federado e iria para as olimpíadas de Berlim representar os Estados Unidos da América. Era a maior conquista de um negro na história da minha cidade.
Eu estava muito feliz.
Berlim 1936 – 11h42min
Ao soar o disparo, saímos todos da linha ao mesmo tempo. Eu podia sentir a respiração de meus oponentes. Estávamos muito próximos e éramos todos atletas de altíssima categoria, todos ali tinham um sonho, todos ali passaram dificuldades para chegar a aquele objetivo, e todos lutariam até o fim para conquistá-lo. Porém além dos sonhos, havia outra coisa importante para se fazer naquele evento.
Um homem surgiu na Alemanha disse que os brancos são superiores, que são melhores e que tem o direito de exterminar toda e qualquer raça que não seja a deles. Muitos estavam morrendo a favor de uma ideia tola e se eu, um negro, perdesse aquele dia, comprovaria que realmente aqueles homens poderiam estar certos. Eu já tinha me acostumado a sofrer o preconceito, de ser chamado de esgoto, de marginal. Mas eu havia superado tudo isso antes. Ao contrario do que pensavam eles, eu não tinha medo.
Comecei a correr com mais força, como se quisesse morrer quando criança. Logo tudo ficou passando lentamente, e eu não ouvia mais os ruídos, nem sentia mais o vento bater no rosto, era algo extremamente poderoso e espetacular o que acontecia aos meus sentidos.
Era como se estivesse em outra dimensão.
Ao cruzar a linha de chegada, aquele homem das idéias tolas foi forçado a se retirar. E o mundo viu naquele momento, que enquanto um homem poder lutar contra a opressão, com toda a sua dignidade, o mundo não vai se calar ante a intolerância. Meu nome é James Cleveland Owens. Negro, teimoso e 5 vezes campeão olímpico.