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Channel: As Crônicas De Von Serran
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A Parábola da Batalha Espiritual

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Dois de Janeiro era só mais um dia na Mallone e Associados. Ninguém queria trabalhar um dia depois do ano novo, mas devido a um e-mail que todos receberam na véspera de natal, os funcionários compareceram em peso.


A mensagem dizia que uma noticia importante seria dada, e que todos estivessem presentes. No ano passado, três pessoas do escritório foram promovidas nesta época, e a expectativa era grande com a saída de alguns funcionários. O boato era que existia apenas uma vaga.


Eram em 14 auxiliares, todos ex estagiários, esperando sua oportunidade. Ninguém ousou faltar. O silêncio reinava, todos apreensivos e preocupados, pois sabiam que aquele dia, poderia ser decisivo em suas carreiras.


Apesar de a maioria não saber realmente se alguém seria promovido, todo escritório tem suas indicações, e apenas seis, estavam cotados para alguma possível promoção.


Glória dos Anjos, evangélica ardorosa, trouxe a bíblia nesse dia. Em horários alternados fazia suas orações. Colou o Salmo 91 atrás do computador, para que espantasse um possível mal, que em sua opinião, mais precisamente vinha de Vênus, uma colega que sentava logo a sua frente. Naquele dia, um bom dia (seco), e uma dúvida sobre troca de notas, foi o máximo que conversaram.


Venus era praticante de Wicca e Glória abominava tais práticas. Naquele dia, jogou poções em volta de sua mesa, colocou uma árvore de alho na frente do telefone, recitando palavras em hebraico da kaballah judaica. Sabia que na disputa de poder, Glória não teria chance. Porém ainda existia uma pessoa que em sua opinião, poderia lhe tirar a vaga, Era o Evaldo, que sentava próximo ao bebedouro. Notadamente um bruxo, porque ela conhecia quem tinha essa vocação, e somente um bruxo pode descartar outro bruxo. Isso a preocupava.


Evaldo praticava o Candomblé, e um dia antes, colocou oferendas no mar para aumentar suas chances. Acendeu um incenso no banheiro, tomou um banho de sal grosso, e segurava sua guia toda vez que Vênus o olhava. Uma coisa que irritava profundamente Evaldo era o “Daruma” feito pelo Chirriro, o colega do canto da sala, que o fitava, como se o estivesse repreendendo. Era como se aquele amuleto com cara de gato estivesse vivo, olhando para ele o tempo todo.


 Chirriro era o único budista da empresa. O Daruma É um dos mais antigos e populares amuletos do budismo. Diz à lenda que ele representa um monge que teria passado nove anos meditando sobre uma rocha - o que lhe inutilizou os braços e as pernas. Chirriro acreditava que seus antepassados lutariam para que uma das vagas fosse sua, através do poderoso talismã.


 Quem era confundido como budista, da mesma crença do Chirriro era o Cheng, dos protocolos. Que sentava próximo ao Xerox.


Cheng é Taoísta. No Taoísmo se acredita que a mudança não vem de fora para dentro, e sim de dentro para fora. Arrumou sua mesa para que o Dragão (ki) passasse sobre ela. Essa era sua mais poderosa ferramenta, o Feng Shui, ou seja, a manipulação dos objetos para o direcionamento da energia.

Olhava para Chirriro com desdém, e sabia que aquele boneco vermelho na mesa dele, só iria atrapalhar os fluidos em vez de ajudar. Interrompendo seus pensamentos, Maria de Deus colocou as pastas de cadastros em cima da mesa e desarrumou seu Feng Shui. Cheng, olhando feio, reorganizou a mesa, e voltou ao trabalho.


Maria de Deus era uma católica diferente, não se incomodou com o olhar de Cheng, sabia que a única forma de desbancar todos aqueles concorrentes, seria cantando as músicas do padre Marcelo e beijando seu crucifixo de 10 em 10 minutos. Fez uma promessa, que se ganhasse a vaga, andaria de joelhos mil metros antes da imagem de Aparecida em um dia de peregrinação. Estava confiante.


E assim naquele dia, todos se entreolhavam com desconfiança. Era como se o sucesso de um dependesse do fracasso do outro. Em intervalos de minutos, se agarravam a seus objetos de fé, e pediam para que nenhum de seus colegas profissionais passasse a sua frente. Uma verdadeira guerra espiritual era travada, e no invisível, anjos, seres mitológicos, espíritos de antepassados, orixás e todos os tipos de coisas etéreas se degladiavam a pedido de seus seguidores.


No fim do dia, o chefe chamou a todos na sala de reunião. Havia uma tensão no ar. Todos continuavam apreensivos. 


Sabiam que naquele momento seria decidido, quem era espiritualmente mais forte, então levaram em suas mãos os objetos de suas crenças, e apertaram como se fosse a última coisa que pegassem na vida. Entraram na sala, e ao olhar para o dono da empresa, ficaram atentos, ouvindo suas palavras:


- Vocês estão aqui para saber uma noticia muito ruim, e espero que entendam este nosso momento. Nossos empreendimentos e parcerias diminuíram muito no último ano, e devida algumas circunstâncias, eu e meu sócio descobrimos que estamos falídos. Quero que saibam que apesar de decretar falência, garantiremos que alguns de seus direitos básicos sejam mantidos, pelos serviços prestados com afinco, no qual a empresa agradece os anos de dedicação e trabalho.


Eu sinto muito ter de dizer isto, boa sorte a todos na procura de outro emprego... Estão dispensados.


Nesse momento, todos não se olhavam mais com desconfiança, mas sim com um aperto enorme no coração. Ali no meio do escritório alguns começaram a se abraçar e chorar, e todos se confortaram. Alguns tinham anos trabalhando ali. Naquele momento não importava mais quem era quem, e quem era o que, e sim a dor que os unia naquelas horas de abatimento. Todos os anos, empresas vão à falência, mas ninguém esperava que a Mallone fosse uma delas.


 Duas semanas mais tarde, as mesas limpas não deixavam sequer rastro, de que ali, naquele local, fora travado a maior batalha espiritual daquele ano. Todos saíram derrotados. Não existia uma força superior entre as crenças, e apesar daquele momento triste, entenderam, e levariam para sua próxima empreitada profissional o ensinamento que torcer para que todo mundo seja feliz é a melhor maneira de cultivar a sua fé.


Católicos contra protestantes, judeus contra islâmicos, não importa qual a religião ou conflito, mais importante que uma promoção no emprego, são as vidas humanas que são perdidas em vários lugares do mundo, em favor do preconceito e do fanatismo. Nesse ano que agora chegou, que todas as pessoas que entendam o amor, façam ele valer, esquecendo as diferenças e cultivando o que existe de bom em cada coração.


 Que todas as nossas batalhas espirituais tenham um só intuito... construir um ambiente de paz.


“Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta.”

Albert Einstein

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