No meio da noite me levantei para ir no banheiro. Minha filha aproveitou e me pediu algo pra beber. Assim que ela tomou seu chocolate quente, ambos nos deitamos, mas enquanto ela dormia, eu permaneci acordado. Era estranho acordar e perder o sono, visto o cansaço que eu estava por causa desses últimos dias de trabalho. Enquanto uns tomam leite, contam carneiros, ou vão ler algo chato, meu método para driblar a insónia consiste em pensar e enumerar coisas do passado. Uma mania minha, coisa de canceriano.
Primeiro penso nos relacionamentos. Lembro o ano e uma música que marcou aquela fase, e relembro os acontecimentos da época. Faço uma reflexão de quem eu era e quem sou hoje, e vejo como eu mudei, tanto na forma de pensar como a de agir. Acho interessante perceber nossa vida dessa maneira, como se fosse um seriado, com várias temporadas, porém se ver como um personagem de um longa, que nunca acaba.
O fato importante desses momentos de reflexão e que precisa ser constantemente lembrado, é a ideia de que cada pessoa que passa pela sua vida te ensina algo. Para mim essas lições, em forma de vivência, são a soma de uma equação, que resultaram no que eu sou hoje. Penso também nos amigos, nos empregos, nas viagens. Enumero tudo e penso logo em uma música para cada fase daquilo também. Eu sou uma pessoa que relaciona música como se fosse um marcador de página.
O sono ainda não tinha chegado, mas com todas essas lembranças apareceu uma percepção bacana:
Eu estou feliz.
Feliz porque acho que vivi o que tinha de viver. Porque consigo rir de mim quando lembro de alguma besteira que eu fiz. Feliz porque quando tive uma tristeza, valorizei algo importante. Feliz por que cada trabalho que eu tive, eu aprendi. Feliz porque encontrei uma coisa que nem todo mundo acha na vida, uma mulher que me completa. Uma amiga e uma amante. Alguém para acompanhar até o fim. E feliz porque temos agora uma extensão da nossa vida, em forma de sorrisos e travessuras. Um furacão de dois anos que destrói as casas por dentro, um objetivo de vida chamado Sophia. Estou feliz principalmente porque consigo pensar nisso em uma noite de insónia, em um período de duas horas, e saber que tem gente que passa uma vida inteira sem descobrir isso.
São quase quatro da matina e começo a bocejar. Fico com medo de levantar, pegar uma coisa pra comer e perder o sono novamente. Mesmo com fome me viro pra dormir. De qualquer maneira vou ter de começar um regime mesmo, porque todas essas vivências, além de reflexões, me trouxeram uns quilos a mais. Acho que todos os que escrevem tem uma certa dificuldade para acabar textos. Só posso dizer que naquela noite de insónia, eu acabei dormindo.
Feliz é claro.