Era o ano 300 de nosso senhor, e a segunda campanha que fazíamos para salvar Jerusalém das mãos dos impuros. Éramos em 1500 homens, sendo 500 cavaleiros, e mil soldados de infantaria e provisão de combate.
Foi de tudo inesperado o ataque de madrugada a nosso acampamento, longe de tal covardia por parte dos mouros, não nos deixamos abater e prosseguimos em combate, e tal foi o espanto de nossos inimigos, ao notar que ao contrario de seus prováveis planos, sobrevivemos em numero e coragem. Porém, ao chegar à segunda tropa dos incrédulos de Cristo, também fomos abatidos em quantidade maior.
Ao final da noite sobreviveram apenas dois homens, cada um de sua respectiva fé, eu cristão e meu oponente muçulmano.
O sol começava a despontar, e nos olhávamos de longe. Todas as minhas lembranças do passado começaram por passar a minha mente, desde meu jovem treinamento com um dos melhores espadachins do rei da Inglaterra, até a despedida da duquesa de York.
Pensava em todos os erros, em tudo que poderia ter feito, começando por dizer que a amava, e que atrás da minha indiferença, havia apenas um amor tão forte como o juízo final.
Meu inimigo me fitava de longe e na sua mão uma espada diferente das dos demais guerreiros de seu clã, que como eu, deve ter sido treinado em artes de esgrima, pois do contrario não estaria em minha companhia, neste bosque, neste momento.
Sei que um homem de guerra não sobrevive apenas de esgrima, sendo assim seu senso de honra deve ser apurado, este homem deve ter a perspicácia de uma cobra, e a humildade de um pombo.
E se este homem é meu único oponente entre um exercito de mil homens, ele merece meu respeito.
Seguro com firmeza a espada, e meu oponente ao ver tal movimento, também cerra seu punho.
Olhava-me de modo diferente, era se como eu me visse por seus olhos. Assim sendo,acredito que também me admirava e me respeitava por ser seu único rival. E apesar de culturas, de mundos e de experiências tão divergentes, ali estavam dois irmãos de alma, habilidade e honra.
Ao correr em sua direção, em movimentos rápidos e calculados, tocamos nossas espadas com violência e rigidez.
Nos debatíamos, e nos feriamos igualmente, como se lutássemos contra nós mesmos em um espelho de reflexos vivos.
Sim era para isso que nascemos, era para isso que treinamos, para encontrar na força do semelhante, a honra de merecer o bom combate.
Ambos caímos, e em um tempo de reflexão, novamente nos olhamos.
Havia muito sangue em suas vestes, que aparecia por demais mostrando seu ferimento, o que para um cavaleiro bem treinado, se mostra vantagem.
Em mim havia também tal ferimento na região do peito, mas o peitoral de armadura me escondia, e assim havia a ilusão da vantagem sobre meu inimigo.
Nessa hora me levantei e tirei meu peitoral. E ele pode notar o ferimento em meu peito.
De que vale uma vitoria sobre um inimigo formidável, sem a honra de dizer que lutamos de igual para igual, porque era exatamente o que éramos ali, Iguais.
Em um gesto nobre, ele me cumprimentou a distancia, com uma reverência característica de seu povo, e eu o saudei com a cabeça em um leve movimento, e assim voltamos a empunhar nossas espadas, sem esquecer quem éramos e porque estávamos ali.
Caminho agora em direção do inimigo, e ele também vem em minha direção.
Nos nossos olhos não há nem medo nem desilusão, ambos entendíamos que a força do tempo limparia todo aquele sangue, e que talvez em outro mundo, eu pedisse ao senhor por aquele homem, e ele pediria a Alah por mim, e que na plena misericórdia de ambos, aquele duelo sagrado das montanhas ficasse registrado nas areias do tempo, para sempre, nem que fosse somente aos nossos corações. Eis que estamos no ano 300 de nosso senhor Jesus Cristo, e que ele nos conceda a vitoria, dentro de sua permissão, na conquista de nossa querida e amada Jerusalém, assim vós despeço, amém.